9 bairros debaixo de água

José Luís Neto
#Chronicle

É costume ouvir-se dizer que o futuro da região, do país e do mundo, reside no mar. E quando pensamos nesse futuro, pelo pouco que de tal se explica e porque não sabemos em que se consubstancia, é inevitável fazer futurologia através de prospetivamente recordar os clássicos “20 000 Léguas debaixo do mar”, realizado por Stuart Paton, extraordinário filme de 1916, bem como o dos estúdios da Walt Disney, de 1954, com realização de Richard Fleischer e um Kirk Douglas de alto nível, para lá do “Capitão Nemo e a cidade subaquática”, realizado por James Hill e estreado em 1970, que são, em simultâneo, uma lição sobre a evolução da tecnologia humana para se poder respirar debaixo de água e uma belíssima metonímia sobre as projeções epocais do futuro. Contudo, por mais inspiradores e magnetizantes que se demonstrem Júlio Verne e as suas derivações, como o príncipe Namor ou o Aquaman, realisticamente pouco terão a ver com esse promissor futuro que se nos augura por debaixo das ondas do mar.

O que é certo é que as profundezas do mar imenso povoam o imaginário. O mistério e o impenetrável estão-lhe indelevelmente associados, como uma pele que se lhes colou, pátria de monstros, seres marítimos, incontáveis inomináveis e morada última de antigos tesouros perdidos, sintetizados, desde a criação da magna metáfora de Platão, numa só palavra – Atlântida. Ocultos, solitários arcaicos objetos dormentes nos fundos, deteriorados pelas águas, mas protegidos contra olhares desleais e mãos desconsagrantes, aguardam pela intervenção de resgate do amniótico natural que cabe a cada um de nós, como destino que nos cabe cumprir e assim repor ordem no mundo corrompido.

None

Do latim navifragium, ou seja, navis, que significa barco e de frangere, que significa romper, em francês, épave, do latim expavidus, que significa pavor, os mares dos Açores possuem documentados cerca de um milhar de pavores; transubstanciação de embarcações de todas as proveniências possíveis, em naufrágios, entre os séculos XV e a atualidade. E essas tragédias ficaram adormecidas nos fundos, formaram-se crisálidas salgadas que os encobriram e os transformaram em cápsulas perdidas dos seus tempos, habitadas, como bem dizem Elvira Reis e o meu bom amigo Wlodzimierz J. Szymaniak, genial atlante cabo-verdiano, pelos “fantasmas do passado que povoam o porão impenetrável, vigiando o acesso para a arca de tesouro que jaz no fundo com ouro e esmeraldas.”

Atualmente os mares dos Açores já disponibilizaram a visita pública mais de trinta destes navios soçobrados, num dos maiores museus subaquáticos do mundo, que testemunham a vocação universal das ilhas. Contrariam o ensimesmamento, pois o que a terra divide, o mar une em arquipélago. Esse museu é reconhecido pela Comissão Europeia e pela UNESCO, como excecional. E este é exemplo de como o futuro já reside no presente, palpável e experiencial e que o mar, mais do que estranhamento, é sítio de encontros e diálogos entre uns e outros, pois que se trata de um mar cultural. Pátria de tesouros ontológicos, quem neles mergulha resgata os ouros e as esmeraldas do conhecimento dos tempos e dos povos, priva com Vasco da Gama, Cristóvão Colombo e com os navios de Magalhães; dialoga com a Rotas das Especiarias, da Plata, do Ouro, dos Escravos, do Açúcar, do Chá, entre outras. Penetra em navios de guerra, de piratas e de comércio. E por fim entende, que a única Idade do Ouro que importa é a que urge construir agora, com projetos de invulgar fôlego, como o Azores 2027, que sublinham a importância pan-europeia e central destas ilhas.