Da estrutura das ideias

Filipe Carneiro
#what you want is talking

Entrevista por Patrícia Carreiro


Filipe, a tua relação com os Açores já vem de longa data. Fala-nos um pouco sobre a mesma e sobre como tudo começou. 

Já tinha vindo aos Açores em férias, mas a primeira vez que vim a trabalho foi em 2009. Foi-nos encomendado um trabalho pela então diretora do Teatro Micaelense, Ana Teixeira da Silva, para desenharmos uns suportes de exposições móveis e para tratarmos de outras questões técnicas nas salas de exposições. A ideia foi fazer o levantamento de medidas e entender as necessidades desse trabalho. Como correu tudo muito bem, e tive a oportunidade de conhecer a ilha de São Miguel no modo trabalho, senti uma vontade enorme de criar uma continuidade nas minhas vindas. 

Com a ajuda de amigos açorianos que moravam cá, criei uma rede de contactos e dei início às minhas idas e vindas entre o Continente e os Açores. Comecei com entrevistas de trabalho e pareceu-me tudo bastante complicado, pois o facto de não ser de cá foi sempre um argumento utilizado para respostas menos positivas. Houve exceções e algumas até exageravam pelo contrário, pois só o facto de eu ser do Continente era um motivo de orgulho por estar a oferecer os meus serviços.

Acabei por repetir cá o que já fazia na minha área de trabalho em Carcavelos, onde tinha a minha empresa, nomeadamente marcar reuniões com direções de empresas ou entidades públicas onde posso propor uma melhoria seja no que for. Este tipo de aproximação tem sempre um lado muito bom de separar o trigo do joio, pois ficamos a saber que tipo de mentalidade temos do outro lado da mesa. Há sempre quem se assuste e pense: “mas quem é que este tipo julga que é para me vir dizer o que está errado na minha casa?” 

A parte boa da existência é que há sempre outras pessoas que não só entendem o que estou a fazer como ficam agradecidas, e acabamos por criar equipa. Desde de miúdo que a minha vontade era ter como trabalho a resolução de desafios de outros, dando ideias e apresentando soluções.

A Triplinfinito, Lda. foi criada em 2002, com três valências: arquitetura, design e vídeo. Os percursos dos sócios eram diferentes, mas todos tinham a vontade de fazer uma abordagem distinta em relação ao trabalho. 

Em 2005, um amigo sugeriu-me ir a Bremen (norte da Alemanha) a um congresso de cinco dias denominado Profile Intermedia. Essa ida iria mudar a minha mentalidade em relação ao que se fazia na Europa, pois há já alguns anos que as pessoas viam o trabalho como uma área não estanque. 

Após a Segunda Guerra Mundial, países que tinham ficado destruídos, como a própria Alemanha, necessitaram de se organizar como um todo e, claro, foi tudo adaptado para que a reconstrução fosse rápida e eficaz. As universidades tornaram-se cada vez mais específicas e as pessoas saíam muito bem formadas, mas em algo muito particular. Em tom de gozo, descreveram-me que um arquiteto saía do curso a ser o perito a desenhar parafusos sextavados. Assim que a reconstrução terminou, foi necessário, novamente, adaptar a formação (académica e profissional) à necessidade do mercado. 

A partir dos anos 50 do século XX, voltaram a ter formações mais abrangentes. A Intermedia surge um pouco mais tarde, mas vem precisamente dizer que todas as áreas criativas têm um pensar de base comum. Portanto, em 2005, tudo mudou quando entrei num pavilhão gigante, onde havia pessoas de todo o mundo a assistir e a participar e um painel de oradores com nomes sonantes em áreas criativas, como arquitetura, design, cinema, cozinha, som, etc.

Até aqui tudo “normal”, mas o que me virou do avesso foi entender que eles faziam tudo o que lhes apetecia e sem aquele espírito retrógrado de que “se eu me formei em arquitetura só posso fazer arquitetura”.

Fui durante cinco anos seguidos a Bremen; dois anos após ter ido a primeira vez, fomos convidados para apresentar lá um projeto. Apresentámos a ideia que eu tinha há já alguns anos, na qual se colocava a memória auditiva como a primeira fonte de inspiração para desenhar uma casa. Paralelamente a este tema, e influenciado por ele, apresentámos no palco principal um concerto onde misturámos instrumentos convencionais com eletrodomésticos que nos traziam memórias de infância.

A tua empresa, Triplinfinito, Lda., tem sede em Ponta Delgada, aonde te deslocas mensalmente. Que tipo de trabalhos tens desenvolvido por cá e quais te marcaram mais? 

Após o primeiro trabalho efetuado cá, houve outra coincidência que abriu portas para o primeiro trabalho com a Câmara da Ribeira Grande. Eu sou especialista em arquivos documentais. Trabalhei como arquiteto consultor na Torre do Tombo durante sete anos, onde fui responsável pela melhoria de todos os arquivos distritais do país e me especializei nesta área fundamental em qualquer país. O então presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, Ricardo Silva, queria construir um arquivo municipal para a Ribeira Grande. Esse foi o primeiro trabalho que fizemos com grande dimensão. De todos os trabalhos desenvolvidos nos Açores, a Casa do Arcano é a que guardo com maior estima. Fizemos o projeto museográfico e foi um privilégio estar perto do móvel do Arcano, um tesouro que estava a ser restaurado pela equipa do Paulo Brasil.

Outros projetos foram marcantes, como algumas exposições para a Biblioteca Pública de Ponta Delgada, o projeto museográfico do Museu Vivo do Franciscanismo, a revitalização do espaço do Mercado Municipal da Ribeira Grande, a exposição “Ilhas e História Natural dos Açores”, no Museu Carlos Machado, a Casa das Cavalhadas, bem como obras particulares, maioritariamente habitações. Além disso, fizemos os relatórios e contas do Grupo Marques, o projeto para o Museu da Emigração Açoriana, a imagem e portfólio do fotógrafo Nuno Sá e uma exposição itinerante com trabalho dele, as lojas OuroLei, clínicas dentárias, o logótipo da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, bem como o seu site, entre outros. 

Em 12 anos de trabalho nos Açores, muitos foram os trabalhos marcantes para a empresa. Por volta de 2011, decidimos mudar a sede da empresa para cá, pois nesse ano estávamos com mais clientes cá do que no Continente. 

Que projetos tens num futuro próximo para implementar em Ponta Delgada com a Triplinfinito, Lda.?

Neste momento está em construção um projeto do Centro Interpretativo da Geotermia, a “Casa das Caldeiras”, um projeto a realizar em parceria com a Cereal Games.

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A par com a tua profissão de arquiteto, és diretor executivo do jornal online 9idazoresnews. Com que objetivos nasceu o mesmo, uma vez que a tua raiz não é açoriana? 

Por volta dos finais de 2010, comecei a dar-me conta de que havia muita informação que não era veiculada pelos media convencionais e quando isso acontecia não era realizado de uma forma interessante e parcial. De vários lados, comecei a ouvir falar de diversos temas muito interessantes e únicos, desde teses de mestrado, a histórias de empreendedores, de trabalhos singulares de artistas. Enfim, um mundo de gente, projetos e ideias que não eram passados para o público e as próprias instituições não viam interesse em perder esse tempo de divulgação. 

A ideia de criar esta plataforma com o nome 9id (9 ilhas/ 9 identidades/ 9 ideias) pareceu-me perfeita para a criação de um espaço que, não obedecendo às regras dos media clássicos, poderia e deveria ser um projeto aberto, feito por colaborações, e ainda ligar tudo isto às comunidades, fazendo a mesma auscultação nos açorianos fora das ilhas. A parte mais pesada para nós, mas a que tem sido sempre elogiada, é tentarmos que seja uma plataforma bilíngue para que, desta forma, se consiga que segundas e terceiras gerações de emigrantes consigam ler o nosso site.

Desde o seu início a equipa do projeto tem mudado muito, assim como as dificuldades para o manter ativo. Qual é o maior entrave ao crescimento de um projeto como este nos Açores?

Um projeto como este pode sobreviver de duas formas: com a nossa carolice (que é como
tem sido e temos muito orgulho em manter o projeto vivo) ou com apoio do Estado e/ou de empresas locais. Para a empresa, este projeto é um encargo. A minha dificuldade não é chegar a quem acho que deve e pode decidir apoiar, o entrave tem sido muitas vezes o
facto de eu ser de fora. É sempre feita essa pergunta e há uma espécie de sentido de proteção em relação a isso. Eu nasci otimista e estou sempre a pensar e a fazer tudo
por tudo para que o projeto não morra!

De que forma te parece que a 9idazoresnews contribui para o crescimento dos Açores e dos açorianos, de uma forma geral, espalhados pelo mundo?

Quando perguntado assim, vejo-me na obrigação de dizer que não tenho a mania das grandezas e que sei qual é a nossa escala. Podia responder-te como hoje toda a gente gosta, com dados estatísticos de visualizações, mas na realidade isso a mim pouco importa, pois o feedback que tenho do boca-em-boca faz-me mais sentido e passo a dar-te exemplos. 

Recebemos um e-mail de uma emigrante açoriana, de 78 anos, em Boston, que não falava inglês e que nos escreveu a agradecer, pois finalmente podia ler a mesma coisa que o neto, que não falava português. Há muitos açorianos a residir no Continente que leem a 9idazoresnews e chegam-nos várias sugestões de artigos para fazermos sobre pessoas que muitas vezes ninguém conhece e que fazem um trabalho excecional.

A maior contribuição que damos, e que nos dá um gozo especial, é oferecer o nosso espaço a muitas pessoas que têm muito e bom trabalho para partilhar com o mundo. Contamos com mais de 50 colaboradores, em diversas partes do mundo. Temos um jornalista luso descendente no Brasil que escreve para a 9id há já alguns anos e, por isso, conseguimos divulgar informação das atividades de várias das casas dos Açores no Brasil, por exemplo. 

Sendo este um canal de divulgação dos Açores, pergunto-te o que achas necessário mudar ou melhorar na comunicação social açoriana para que, todos juntos, cheguemos mais longe?

Respondo-te com uma generalização que se encaixa em qualquer área e não só na comunicação social: O excesso de ego nas pessoas que produzem conteúdo e nas pessoas que o consomem, isto aliado a uma falta crescente de sentido de comunidade. As tentativas de criar uma relação com os meios tradicionais foi sempre inglória e com grande desconfiança e soberba. Como isso me aborrece, segui o meu caminho.

Neste momento Ponta Delgada | Açores, no âmbito do projeto Azores 2027, está a concorrer a Capital Europeia da Cultura. Enquanto arquiteto, diz-nos que fatores contribuem para que possamos receber este título.

Este título tem variados critérios e uma comissão que os analisa a fundo e entende se estão reunidos os valores que possam garantir não só o título como a execução das iniciativas propostas. Pelo que sei de outras candidaturas, nem que seja por toda esta dinâmica que obrigatoriamente se está a criar, o projeto tem um benefício gigante para Ponta Delgada e, por consequência, para os Açores. 

Na realidade, o que mais me entusiasma é que quem está na equipa da candidatura está a viver a experiência mais rica e cheia de esperança que se pode ter. Por se tratar da Cultura, onde não há vitórias, mas sim realização, esta criação de uma equipa interdisciplinar nesta área é inédita nos Açores e quase todos já são atualmente protagonistas de dinâmicas culturais de grande qualidade. Por isso, estou confiante.

Tive a oportunidade de ver Guimarães antes e depois de ter sido capital da cultura, e a cidade e as pessoas ficaram marcadamente diferentes. Passou a existir um cuidado com tudo por parte da população e, portanto, esta mudança só pode ser boa. 


Além de arquiteto e diretor executivo, quem é o Filipe Carneiro?

Sou um pai atento e dedicado, curto paz e amor e poder escolher as pessoas que quero ter perto de mim.