Nada melhor do que no Mar

Paulo Costa
#Let's go out

Tendo nascido e sido criado nos Açores é inevitável que o meu roteiro incluísse este mar que nos banha.

Não é que seja pescador, mergulhador ou marinheiro, mas porque tenho uma ligação lúdica, afetuosa e associativa aos desportos de deslize de ondas, em particular o surf. Não sou surfista, nem sequer de nível intermédio, mas tenho enorme paixão pela modalidade.

Sendo desafiado para propor um roteiro, nada melhor que uma entrada no mar, e o surf tem um poder terapêutico que, aliado à beleza destas nossas ilhas e da simpatia das suas gentes, pode desopilar e muito!

O poder do surf é tão forte que a "lnternational Surf Therapy Organization" defende que seja usado globalmente como terapia para melhorar saúde mental. 

Assim sendo, apresento um roteiro que, apesar de ser sobejamente conhecido, tem como função realçar, para quem cá reside ou para aquele que já pensou vir experienciar as ondas na Terceira, a valorização e respeito por este património natural, que pode ser um veículo de desenvolvimento social e económico, desde que seja sustentável.

A ilha Terceira é agraciada com ondulações em todas as estações, com um inverno presenteado com ondulações de norte, mas um verão muito dependente das vindas do sul, popularmente conhecidas como “inchas”.

Não é uma das ilhas dos Açores mais consistente em ondas, mas é seguramente uma em que a comunidade se mostra muito ativa e unida, não apenas na defesa das suas ondas, mas também na aposta nas novas gerações, nomeadamente através da escola de formação da Associação de Surf da Terceira (ASAT).

Os spots de surf na Terceira concentram-se na zona norte, leste e sul da ilha todos em fundo rochoso, por isso podemos começar pelo concelho da Praia da Vitória, uma vez que o aeroporto internacional se localiza na Vila das Lajes.

Mas, antes de irmos à baía da Praia da Vitória, viramos a norte, para encontrar na freguesia da Agualva o spot das Quatro Ribeiras, que está inserido numa área protegida, perto da Lagoa da Fajãzinha, local com elevado interesse ao nível da flora endémica e da fauna.

É um spot que recebe grandes “swells” e gera uma poderosa esquerda e direita, recomendada a praticantes já com experiência. O acesso é difícil, assim como a entrada e saída do mar, pelo que é aconselhado ter alguém experiente para acompanhar.

As melhores condições para a prática são "swells'' de oeste, para a esquerda, e de norte para a onda da direita, sempre com vento sul.

Voltando para a cidade da Praia da Vitória, temos a sua baía, que já foi o maior areal dos Açores, com a existência de vários picos (i.e., zonas onde se formam as ondas). Foi na década de 60 que o surf foi introduzido pelos militares americanos estacionados na Base das Lajes. 

As várias intervenções realizadas, como a construção do porto militar, do porto oceânico, da marina e da marginal, alteraram para sempre esse cenário, mas ainda é o local onde mais se pratica as diferentes modalidades de deslize de ondas (i.e., surf, longboard, bodyboard, bodysurf, stand-up-paddle e kite surf). O spot localiza-se na foz da ribeira de Santo Antão, apresentando vários picos, que, dependendo do “swell”, têm ondas para todos os níveis, sendo o local de eleição para os iniciantes e onde funciona a escola de formação da AST.  O fundo é rochoso, apresenta duas esquerdas e, com a direção certa do “swell” e da maré, apresenta também, a meio, uma direita. A melhor direção do “swell” é de noroeste-Norte e a direção do vento oeste-Noroeste. Um local de muito fácil acesso.

Logo ao lado, na freguesia do Cabo da Praia, temos a mítica onda de Santa Catarina, que é considerada um dos melhores “slabs” da Europa. Representa o spot favorito para os praticantes de bodyboard, tendo já recebido provas do mundial e nacional da modalidade. Uma onda muito técnica e recomendada apenas para praticantes experientes. Como quebra num fundo raso de rocha vulcânica, é por isso uma onda muito tubular (para esquerda e para a direita). A melhor direção do “swell” é de noroeste-Norte e a direção do vento sudoeste-oeste. 

Continuando rumo ao sul, temos o spot localizado na freguesia do Porto Martins. Tal como na Praia da Vitória, apresenta vários picos, desde logo uma esquerda, que em “swells” grandes de norte-noroeste é longa e poderosa, apropriada para praticantes intermédios e avançados. Ao lado do porto de pesca, funciona uma esquerda e uma direita. A melhor direção do “swell” é de noroeste-norte e a direção do vento norte.

Continuando, temos na Vila de São Sebastião, concelho de Angra do Heroísmo, o spot das Contendas que está inserido numa área protegida, um dos parques naturais dos Açores com elevada biodiversidade, de vida marinha e terrestre, constituindo um importante habitat de nidificação de aves marinhas, onde também se encontram espécies de flora endémica do Arquipélago.

É justamente na Baía de Mós que temos uma esquerda que quebra a partir de uma baixa, que em condições de ondulação e vento torna-se tubular. O spot tem uma beleza natural ímpar que a todos interessa proteger. Com ondulações acima de dois metros, e dado que a baía é pequena, forma-se também uma direita. O melhor “swell” é de oeste grande ou sul, e o vento de oeste.

Ainda na costa sul, temos a onda do Terreiro, na freguesia de São Mateus da Calheta. Outrora uma das melhores direitas dos Açores, mas as más intervenções realizadas na intenção de proteção de costa acabaram por afetar a sua qualidade, uma vez que a construção de muros rampeados provocam reflexão das ondas, diminuindo não apenas o potencial de surf, mas particularmente a segurança na entrada e saída do mar. Assim, a “janela de uso” é muito limitada, considerando-se os melhores “swells” de sul-sudoeste e do vento norte, sendo que a partir da meia maré para o enchente não é recomendada a entrada no mar. Nem tudo são rosas….

Este roteiro é apropriado para o amante da modalidade que procura ondas que coincidam com as épocas baixas, que respeita naturalmente o mar e os seus ecossistemas, que procura turismo de natureza e das experiências locais.

Parece-me que a prática do surfing tem elevado potencial para se associar ao turismo sustentável que se apregoa, mas as ilhas dos Açores são locais sensíveis e vulneráveis, que necessitam de uma estratégia que não incentive a sua massificação. Cá está, e estará, a comunidade de surf pronta para partilhar a experiência do surfing a quem nos visita, num necessário espírito de respeito pela nossa história e por quem cuida e protege os nossos spots.

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Paulo António Mancebo Costa tem 48 anos, natural da ilha Terceira, casado e pai de um rapaz.

É licenciado em Engenharia Zootécnica e exerce funções de técnico superior na Federação Agrícola dos Açores.

Ligado à cultura, sobretudo ao teatro, por via dos Bailinhos de Carnaval da Ilha Terceira e dos Fala Quem Sabe. 

É secretário da Associação de Surf da Terceira.