Os bairros no mundo das ilhas

Margarida Sodré
#Editorial

Bem-vindo(a) à 9 Bairros!

Começo este segundo editorial tendo como mote a célebre frase do meu conterrâneo Vitorino Nemésio: “A geografia, para nós, vale tanto quanto a história”. Tendo por base a linha de pensamento que dá origem a esta publicação digital, ponho esta citação em perspetiva e afirmo que, para os açorianos, a história vence a geografia, porque apesar da descontinuidade territorial, a nossa história une-nos. Vejamos: somos nove ilhas dispersas no oceano atlântico e apesar das nossas diferenças, tão incessantemente reverenciadas numa sociedade que cultiva esta ideia de que no diferencial é que está o ganho, temos muito mais em comum do que podemos pensar num primeiro vislumbre do conjunto. Pensemos na caça à baleia, na gastronomia, nas expressões idiomáticas, na música, até no próprio ideário das letras; a lista poderia prosseguir, mas há um limite de caracteres a respeitar e não pretendo ser exaustiva.

Temos uma identidade comum que aparenta envergonhar-nos. Quase temos de nos demitir do nosso orgulho enquanto naturais ou residentes de uma ilha por gostarmos ou nos identificarmos com as demais. É como se “o amor à camisola” nos impedisse de reconhecermos o mérito alheio e a importância dessa comunhão. 

Não quero com esta minha peroração advogar uma visão unilateralista, a régua e esquadro, que anule as especificidades de cada ilha. Antes pelo contrário, acho que essas derivações são muitíssimo relevantes e que, inclusivamente, nos enriquecem. É urgente reforçar a importância de percebermos que somos um arquipélago num sentido muito mais amplo do que um nome, um hino e uma bandeira. Cimentamos uma cultura muitíssimo rica, com um enorme potencial, mas que ainda é pouco conhecido e reconhecido fora de portas. Apenas com um sentido de orientação afinado na mesma direção poderemos navegar e maximizar esta nossa matéria-prima. 

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A minha educação familiar e formal, a minha experiência pessoal e profissional fizeram-me ganhar consciência da minha identidade enquanto angrense, terceirense, açoriana, portuguesa e europeia, como se de uma pirâmide se tratasse. Uma dimensão não retira nada às restantes, antes pelo contrário, complementa-a, enriquece-a. Enquanto não percebermos o nosso lugar no mundo dificilmente conseguiremos fazer com que os outros o reconheçam.

Neste bairro marítimo, queremos dar a conhecer o que se faz pelas várias ilhas, através de várias rubricas, pretendemos mostrar as várias tonalidades da nossa cultura, para que nos possamos orgulhar (ainda mais) dos nossos Açores. Queremos que este bairro se construa como todos os outros, através da contribuição de muitos, numa soma das partes que nos faz sentir em casa, confortáveis, num cenário que vai para além da dimensão física, numa paleta de cores, sotaques e pronúncias, em que naturais, residentes e visitantes experienciam vários sabores, que vão da canela aos cominhos, que constroem uma moldura humana e natural única.

Já canta o Rui Veloso, na música “Primeiro Beijo”, “Muito mais é o que nos une, que aquilo que nos separa”, mesmo quando aquilo que nos separa é o mar.


Margarida Sodré
Editora da 9 Bairros