sou ilhéu e, portanto, embarcadiço

Armando Luís
#Chronicle

'... sou ilhéu e, portanto, embarcadiço. Além do que a vida é por si mesma uma verdadeira derrota, uma vasta e tremenda singradura...'
[embarques: corsário das ilhas - Vitorino Nemésio]

O meu nome é Armando Luís, nasci no Faial, em 1982. Passados 20 anos estou, felizmente, de regresso à ilha.

No ano passado fui surpreendido pela candidatura AZORES2027 e, de certa forma, isto espicaçou-me a pensar num retorno. De repente, estávamos a falar de cultura nos Açores, a provocar o diálogo, a criar movimentos cívicos… enfim, percebi, então, que era o momento de regressar, que tinha de fazer parte e contribuir para esse movimento.

Esta minha vinda nasce da necessidade de reflectir sobre acções que pudessem chamar a atenção dos decisores políticos sobre a urgência de se profissionalizar o sector cultural. Que se definissem estratégias que articulem as áreas da Arte e da Educação e assim, contribuir para um aumento da sua relevância regional, traduzido num concomitante reforço do seu financiamento a nível municipal.

Para isso criei a singradura – Associação Cultural. Ela nasce da vontade de criar um movimento criativo junto das pessoas da Ilha do Faial, e que permita realizar um trabalho de pesquisa artística com o objectivo de resgatar memórias da nossa identidade cultural, quer individual quer colectiva, e ao mesmo tempo criar junto das populações dinâmicas culturais concretas e que contribuam para um melhoramento da sua vida. Apresenta-se como mediadora, curadora cultural, social e de comunidade.

Este movimento ‘inter-geracional’ está a ser criado em parceria com a Casa do Povo dos Flamengos, na revitalização do grupo de teatro amador “As Bicas”, dinamização de centros de convívio e criação de oficinas de teatro comunitário para crianças, jovens e adultos. Também com a Paróquia dos Flamengos, no sentido de criar, produzir e programar produtos artístico-culturais na Ermida de São João, e a médio-prazo surgir um espaço privilegiado de residências artísticas multi-disciplinares.

As Senhoras d'abril — Armando Luís
As Senhoras d'abril — Armando Luís

Esta minha singradura artística está ligada ao Chapitô – Artes do Espectáculo, Lisboa e École Philippe Gaulier – teatro físico, Paris. Descobri o teatro de comunidade com o director galego Moncho Rodriguez, há treze anos. Entendi que era imperativo apoiar a minha formação teatral nos estudos aprofundados da arte e da cultura e, nesse sentido, frequentei Estudos Artísticos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e o Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura pela Universidade do Minho. Propus-me, desta forma, a compreender a arte como apoio ao exercício diário de criatividade; a estudar a arte e a cultura de forma a poder relacionar interculturas, e a estabelecer pontes entre a tradição e o contemporâneo. Os meus estudos vieram complementar o meu saber-fazer, preparando um percurso profissional. Durante o mestrado, em Oslo, estagiei no Museu de História Cultural da Universidade de Oslo, a convite de Inger Astri, Directora do Departamento de Exposições e Educação, onde colaborei no projecto de investigação ‘The Red Zone.’ Essa oportunidade permitiu-me desenvolver um trabalho interdisciplinar, num conceito/espaço experimental, cruzando as várias áreas do Museu, nomeadamente as artes plásticas, a performance e a instalação, o que me trouxe novas valências aos níveis pessoal e profissional.

O foco do meu trabalho está nas pessoas. Privilegio as suas vidas. Acredito na criação colectiva e considero ser um facilitador que aponta o caminho do imaginário e da criatividade. Trago comigo dinâmicas de criação em diversos contextos, nomeadamente rurais, de comunidade (Minho e Trás-os-Montes e Douro), urbanos (Lisboa, Paris e Oslo) e de arte inclusiva (CERCI de Braga e Guimarães, VoArte/CIM-Companhia Inclusiva de Dança) que me permitiram entender a importância do conhecimento, dos valores sociais e da memória, que colocam as pessoas no centro da criação: especialistas da sua vida. Entre essas dinâmicas encontram-se espectáculos/celebrações, laboratórios teatrais, festas, eventos, performances e instalações. E Valorizo todas as fases de cada projecto: o modo como as pessoas são convidadas a participar, a dramaturgia dos momentos festivos e as formas de comunicação são cuidadosamente estudadas, tanto do ponto de vista artístico como social.

O teatro social e de comunidade caracteriza-se, comparativamente a outras disciplinas, por esta contaminação com a realidade. Trata-se de um teatro que aceita incorporar-se e confrontar-se com o mundo real: a arte encontra a comunidade (e a arte que nela habita). Confronta também o repto de se envolver com outras disciplinas, de entrar em lugares não-teatrais, de abrir-se a não profissionais. Por fim, no teatro social pressupõe-se que qualquer acção teatral esteja orientada para a produção de uma intervenção social, ou melhor, procura-se criar condições que operem não só uma mudança, como também a experiência pela qual se gere a possibilidade dessa mudança.

Bem hajam!

*Texto escrito de acordo com a antiga ortografia