União de dois triângulos

Eduarda Mendes
#Chronicle


Há muito que se define e reivindica a centralidade dos Açores, seja por motivos históricos, geoestratégicos ou económicos. 

A perspectiva atlântica é clara quanto a esse centro a meio do oceano, uma espécie de rotunda com tantas saídas. Mas dentro da própria região podemos discutir centralidade: por um lado a económica, puxada por São Miguel; o núcleo político, que o Faial chama em nome da Assembleia Regional; ou a histórica, remetendo para a paragem das naus e caravelas de tempos idos, na baía de Angra… Hoje e aqui, não falo de nenhuma destas centralidades, donas de si próprias, com olhos voltados a cada um dos seus significados, falo de uma centralidade verdadeira e indiscutível, da verdadeira noção de arquipélago e da única ilha que une cinco. 

São Jorge vive uma dualidade constante. As suas encostas, quebradas pelo vento norte, unem-se à Graciosa e à Terceira, já as do sul estão intimamente cruzadas com o canal do Pico e do Faial, uma estrada marítima num corrupio constante de barcos e lanchas. 

Aqui a autonomia torna-se menos só. A bruma, mesmo quando desce das serras, deixa uma pontinha de basalto do lado de lá do mar que, nesta ilha, parece menos infinito. 

Terceirense de gema (ou de alma, melhor dizendo), sempre tive a ilha de São Jorge como companheira. Presença constante nos meus dias, deitada ao comprido no horizonte. Nas manhãs mais claras vemos as fajãs e água que escorre nas falésias do norte, em cascata, pela noite, o farol do Topo, a iluminação pública e até os faróis dos carros são sinais mandados pela vizinhança. 

Mas viver São Jorge por inteiro é diferente. Ser-se da ilha e viver com tudo o que isso implica. É ter direito a olhar cada uma das suas fajãs com a calma que lhes é devida e merecida, passar por elas apenas não é suficiente, como fazemos quando cá passamos dois ou três dias. Perceber a vivência de quem lá nasceu, cresceu e só saiu por curtos períodos de tempo (normalmente por obrigações impostas pela força da natureza), é o garante da resiliência açoriana. Na fajã da caldeira de Santo Cristo chegaram a viver mais de 110 pessoas, agora são cerca de 10, a tempo inteiro. A desertificação é considerada o maior flagelo destas ilhas chamadas de “mais pequenas”, são menos de 8000 pessoas numa economia muito própria e rica, que leva o nome da região aos pontos mais longínquos do globo, mas que não é certo por quanto tempo se irá conseguir assegurar. Quantas gerações vão passar e conseguir suportar os Açores até deles não sobrar a sua identidade? 

A saída é praticamente certa para os jovens, pelo menos a partir dos 18 anos. Estudos feitos pelo ISTCE-IUL mostram que os açorianos que voltam, depois dos anos de faculdade, fazem-no por amor à terra e não pelo futuro profissional que os espera. Talvez um dia esta premissa possa ser alterada e tenhamos mais razões para dar a quem quer contribuir para o futuro destas pedras de basalto no meio do grande atlântico. Talvez um dia tenhamos mais açorianos a contribuir para todas as centralidades associadas a esta região de uma riqueza ímpar, quando pensamos nos seus recursos. 

Por enquanto, temos um turismo cada vez mais pujante com um reconhecimento implacável da beleza e qualidade destas ilhas. 
Em São Jorge a beleza cai-lhe pelas encostas do lado norte e deita-se pelo canal do sul, esconde-se nas mais de 40 fajãs e vai até aos 1053 metros do Pico da Esperança, onde se está no verdadeiro centro do arquipélago: o vértice de dois triângulos.


*Texto escrito de acordo com a antiga ortografia

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Licenciada em Comunicação e Cultura, pela Universidade dos Açores, e Pós-Graduada em Ciências da Comunicação, com especialização no ramo de Estudos dos Média e do Jornalismo, pela Universidade do Porto.
Desempenhou a função de locutora do Rádio Clube de Angra e, posteriormente, desde 2018, a de jornalista na Antena 1/Açores e na RTP/Açores.
Está ligada ao associativismo há mais de 15 anos. Foi administradora e vice-presidente da Associação de Jovens Açorianos Unidos Pelos Açores.
Tem sido convidada a moderar debates e conversas em diversas áreas.