A arte de retribuir

Miguel Maduro-Dias
#Queres é conversa
"A voar baixinho..."
"A voar baixinho..."

Que motivações o fizeram candidatar-se ao programa piloto "9 x 9 - Artistas são Ilhas, Ilhas são Artistas"?
Tinha e tenho um desejo muito pessoal de fazer projectos “na minha Terra”, seja em Angra do Heroísmo, concretamente, ou em qualquer outra parte dos Açores. Desejo esse que vai muito além da mera actividade artística, já que gostaria de dar algo de volta a este arquipélago que me viu crescer.
O programa 9x9 foi altamente revigorante, dada a larga liberdade artística que me foi concedida. Liberdade que segue de mão dada com a grande responsabilidade de manter uma visão clara e objectiva do que se pretende fazer.


Que projeto desenvolveu e em que ilha?
O projecto era intitulado “A Água que temos e a Água que nos falta…” e homenageou a história e as dificuldades que a Ilha Graciosa teve por causa da escassez de Água, servindo como fonte de inspiração para a criação conjunta.
Assim, um dos principais desafios que explorei foi o diálogo entre diferentes áreas. Por exemplo, convidei artistas de várias Artes tanto para o espectáculo homónimo à residência como para a tertúlia “Afinal, o que é ser ‘artista’?”, na qual conversámos acerca de experiências, opiniões e ideias sobre as nossas carreiras e escolhas, e sobre tópicos ligados à Política e à Educação.


Quais os principais resultados/ensinamentos da sua experiência?
Na Ilha Graciosa (e estou certo de que será o mesmo nas restantes ilhas), o que vi foram as nossas gentes: com uma enorme paixão pela nossa Terra, pelo que fazemos e com imensa vontade de o fazer. Mas vi também que muitos se deixam levar, ainda que a nível subconsciente, pela ideia errada e castradora de que somos poucos, pequenos, e que mais vale nem nos mexermos.
Isto faz-me perceber a enorme necessidade que temos, nos Açores, em haver incentivos à criação e desenvolvimento da região (e não me refiro, por exemplo, às grandes cadeias de restaurantes).
Felizmente, grande parte desse incentivo pode vir directamente de nós. Deixámo-nos acreditar que temos de esperar pelos apoios governamentais para que os eventos aconteçam.
Se nas nossas festas regionais conseguimos juntar a vontade da comunidade e organizar eventos tão bonitos e ricos, porque não conseguimos para um concerto, uma masterclass, um workshop…? Se houver um genuíno apreço por aqueles que tomam iniciativa, já muito pode ser feito.
Volto a perguntar, tal como terminei o espectáculo final da residência: Quanta força terão duas mil pessoas a remar, todas, para o mesmo lado?

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A sua visão/perspetiva sobre os 9 bairros mudou?
Fiquei contente por ver que a iniciativa “9 bairros” teve uma perspectiva abrangente e que procurou tanto dar voz aos artistas regionais (de múltiplas formas), como incentivar à criação. Foi também a primeira vez em que senti ter espaço para discutir assuntos para além da Arte, como de natureza política, alargando o campo de acção que tinha até então.


Qual considera ser o grau de sensibilidade dos açorianos para a arte?
Eu prefiro pensar noutros termos. A sensibilidade é individual e depende das vivências de cada um, podendo resultar numa multiplicidade de visões diferentes até numa mesma casa (imagine-se numa região inteira ou país!).
O que percebi é que as pessoas estão sedentas para que aconteçam coisas à sua volta, e muitas sentem-se abandonadas ou esquecidas. Logo que a comunidade se entreajude mais, muitos projectos podem ser realizados. É apenas uma mudança de paradigma.


De que forma o título de Capital Europeia da Cultura poderá impactar a Região?
Parece-me que o impacto do título de “Capital Europeia da Cultura” será mais externo do que interno, especialmente no Turismo (de nicho ou não). Além disso, acho que a comunidade açoriana vai querer ver “trabalho feito” e não se importará tanto com galardões e títulos.
Acima de tudo, vejo que este título poderá responsabilizar ainda mais o Governo Regional a procurar soluções sociais através da Arte. E espero que a visão regional, que engloba, de facto, todas as ilhas, se mantenha bem assente durante toda a candidatura e execução posterior.


Que novas histórias ficam por contar sobre os Açores?
Cultura é um conceito vizinho do Património: se não nos identificarmos com essa Cultura, vamos acabar por a abandonar e escolher outra que nos diz mais ou que abafa a que conhecíamos.
Sou totalmente a favor das actividades que procuram manter as nossas tradições, mas faltam-nos mais projectos que façam a ponte com o Presente. De que modo iremos valorizar e gostar, até às entranhas, de uma boa moda regional cantada por um grupo folclórico se nenhuma da Música que ouvimos nos dias que correm é semelhante?
Para mim, a criação dessas pontes é um dos grandes desafios e, possivelmente, uma das armas secretas para revitalizar toda a região, sem perdermos a nossa identidade.


*Texto escrito de acordo com a antiga ortografia

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