Santo Amaro do Pico, a “Terra dos Barcos”

Mariana Matos
#Vamos desopilar

A Santo Amaro do Pico chega-se de três maneiras diferentes: de avião, de carro ou de barco.

Hoje, chegamos de avião ao aeroporto do Pico, que fica localizado na freguesia de Santa Luzia. Ainda na pista, avistamos a montanha, que está descoberta à nossa espera. Diziam os antigos que quando a montanha está descoberta “é bom sinal”. Quer dizer que quer que voltemos… Depois de recolhidas as malas, saímos do aeroporto. Pegamos no carro e partimos, sempre acompanhados pela montanha, ao fundo da estrada, que sobe ligeiramente, até virarmos à esquerda. Pelo caminho, não a vemos sempre, mas sabemo-la ali, como uma espécie de proteção ou bússola de orientação. 

Depois de passar a freguesia de Santa Luzia, entramos em Santo António, depois São Roque e Cais do Pico, onde já voltamos a avistar a montanha, sobranceira e linda, a derramar-se terra abaixo, até chegar ao mar. Passamos São Roque, entramos em São Miguel Arcanjo e continuamos o caminho, ziguezagueando pela estrada, denominada “Mistério”. Entramos na Prainha de Cima, passamos a Prainha de Baixo e, finalmente, chegamos a Santo Amaro do Pico, virando à esquerda e depois à direita. 

Estamos lá, na “Terra dos Barcos”. À medida que vamos descendo a estrada, percebemos como se desenvolve em fajã, apoiando-se a terra no mar e, também, o mar na terra, como uma espécie de retorno. Se já lá tivermos estado, como é o meu caso, que ali me batizei e aprendi a nadar, vem-nos rapidamente à memória os versos de uma canção: “Ó Santo Amaro, um jardim à beira-mar/ Por isso o sol, de manhã te vem beijar/ Tens em teu seio os grandes lobos-do-mar/ E raparigas cantando/ Ai, ai cantando e tu, vaidoso, a escutar.”

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Passada a memória, que abraça um pouco este texto, descemos ao porto de Santo Amaro. Está um dia calmo de fim de verão. É dia de celebrar “Nossa Senhora da Boa Viagem” – uma homenagem a todos os homens do Mar e das suas artes. Os barcos estão a ser enfeitados. Haverá missa, procissão da igreja ao porto, bênção dos barcos e, depois, caldo de peixe e petinga frita para quem aparecer. 

Esta festa está ligada ao iate Santo Amaro, embarcação lendária desta freguesia da costa norte da ilha do Pico. O mesmo iate a que se refere Vitorino Nemésio, no célebre poema “Navio de Sal”. Esse mesmo. A festa nasceu de uma promessa do seu dono e Mestre – José Teixeira Soares – depois de uma viagem para a Terceira, debaixo de um ciclone.

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A “Terra dos Barcos” está em festa. Ao longe, no horizonte, São Jorge avista-se de ponta a ponta, como uma espécie de parceiro da folia. Se demorarmos o olhar, pensamos naquele tempo, no que vai contando o pai, santamarense de 71 anos, sobre as histórias reais de vidas, e vidas ligadas à Construção Naval, aos Barcos e às Navegações, pelo menos desde o início do século XIX. 

Corre uma brisa fresca, e boa. É hora da missa. Não somos de missas, mas a esta vamos, como naquele primeiro dia, há muitos anos, pela mão da avó Ana. No final da missa vão dar-nos um arrelique. Conta o meu pai que antigamente os marinheiros embarcados guardavam-no no forro do seu boné, vendo neles um sinal de proteção de Nossa Senhora. 

O meu deste ano é vermelho. Está pendurado no espelho do carro, em memória da avó Ana e do avô Júlio, a quem dedico este texto.

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PS. A designação “Terra dos Barcos” foi criada pelo meu pai, Amaro de Matos, a quem devo o conhecimento de todas estas memórias históricas.  

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Mariana Matos nasceu no dia 29 de fevereiro de 1976. Filha de mãe micaelense e pai picaroto. Cresceu entre Ponta Delgada e Santo Amaro do Pico. Estudou Línguas e Literaturas Modernas em Lisboa. Atualmente, divide a vida entre a política e o estudo nas áreas da educação e da formação. Gosta de gatos, de tricô e de nadar no mar dos Açores.