Aurora Ribeiro

#Natureza humana

Ilha de onde é natural ou onde reside
Vivo na Horta, Faial


Profissão
Tenho trabalhado em comunicação, cultura e política. Neste momento, sou bolseira de doutoramento em Sociologia.


Faz – ou fez – parte de alguma associação, coletividade, banda filarmónica, etc.? O que a levou a envolver-se?
Estou na direção da Associação Cultural Fazendo. Envolvi-me quando foi preciso criar uma entidade para albergar o projeto (que já decorria) do jornal Fazendo. Tinha chegado há pouco tempo à ilha e pouco depois apareceu este jornal totalmente original que juntava arte, pessoas, ideias, ativismo e intervenção. Foi como encontrar uma casa num lugar novo. Permitiu uma grande liberdade de ação e entrar neste lugar de forma muito transversal, com descoberta e experimentação à mistura.


Qual a sua memória preferida ligada a um evento cultural em que tenha participado/ a que tenha assistido? Porquê?
Tenho uma memória muito clara de uma noite no Teatro Garcia de Resende, quando era criança. Era um espectáculo da Bienal de Marionetas de Évora, por um casal de velhotes ingleses. Os camarotes estavam a abarrotar de gente de todas as idades, e todos riram, choraram, aplaudiram até não poder mais, estiveram presos ao enredo e à perfeita simplicidade da manipulação dos bonecos. Lembro-me ainda mais da transformação que causou do que do próprio espectáculo: o teatro e as pessoas ficaram cheios de luz com aquilo que tinham acabado de viver. Foi numa altura em que o país democratizou o acesso à cultura europeia e internacional, ali entre a Lisboa capital europeia e a Expo’98. Tenho recordações muito queridas desse período.


Sente-se ligada à cultura nos Açores? De que forma?
Muito: vivo, aprecio e tento contribuir para a cultura dos Açores nas suas mais diversas formas. Proponho e aceito desafios, dou ideias, dou força de trabalho, estou atenta, questiono. E interesso-me por todo o tipo de manifestações culturais, desde as mais espontâneas às mais programadas. Dou muito valor a tudo o que junte as pessoas num entendimento específico de algo, mesmo que seja um entendimento repleto de contrastes. Acho que a riqueza está na diversidade e é sempre nesse sentido que quero contribuir.


Considera a cultura importante para a Região? Porquê?
Vamos pôr assim: é a cultura que une estas nove ilhas numa “Região” e que faz destes habitantes “açorianos”. Essa noção de uma continuidade territorial e de nos sentirmos ligados a este lugar é puramente cultural. Por que é que começo por dizer isto? Porque insisto em afirmar que a cultura não é apenas mais uma entre as “coisas importantes” para a sociedade. O ser humano está é totalmente embrenhado num líquido amniótico cultural. E será tanto mais completo quanto mais tiver essa noção e perceber a importância da cultura em tudo o que somos, desde aquilo em que acreditamos aos direitos que temos. Por isso é preciso apostar no diálogo, no conhecimento, na arte, na educação. Ou seja: é preciso uma política cultural que dê um impulso a novas oportunidades, através do financiamento de mais e melhor atividade cultural.


Como vê o futuro da cultura na sua ilha e na Região? O que a faz ser optimista/pessimista?
O único futuro que consigo ver é aquele que seremos capazes de construir. Tenho insistido que temos de conhecer aquilo que temos, e trabalhar a partir daí. Falo de um mapeamento sério, científico, que explore as dimensões socioeconómicas, laborais, artísticas, educacionais, e que identifique os problemas no acesso à fruição cultural. Portugal tem uma das populações menos culturalmente ativas da UE, o que é um indicador muito significativo. Mas mais significativo ainda é não termos sequer a noção deste número nos Açores. O desconhecimento é um obstáculo para a criação de políticas de cultura.

É que, por um lado e pelo seu isolamento, pode parecer que as grandes ondas e tendências de ideias passam ao largo dos Açores. Mas isso não é verdade, ou pelo menos, nem sempre é verdade. As ideias não só passam e ficam como chegam a nascer aqui e a crescer de modo muito endémico e pertinente. É isso que me faz sentir optimista e o meu ponto de partida seria o de identificar esses polos geradores de questionamento, pensamento crítico e produção, e trabalhar a partir daí. Na verdade, é o que projetos como o Azores 2027 já estão a conseguir fazer. É um trabalho que não pode parar, independentemente do resultado da candidatura.

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