Estou bem. Cheguei.

Diogo Ourique
#Crónica

Erivaldo era um daqueles homens indecifráveis que passavam os dias no adro da aldeia. Havia quem o chamasse maluco, mas aqueles que realmente o conheciam sabiam que a questão não era assim tão linear. Era preciso lidar frequentemente com Erivaldo para conseguir entrar no mundo de Erivaldo. E, ainda assim, alguns recantos permaneciam intocados; puros, até.

Um homem de uma enorme inocência, era por isso provocado pelos chicos-espertos que com ele partilhavam um balcão ou a mesa do café. O tema preferido deles era a “outra ilha”. Sempre que lhe perguntavam o seu histórico de viagens, Erivaldo dizia que já tinha visitado praticamente todas as ilhas, e que só lhe faltava uma.

– A Graciosa? – perguntavam alguns.
– As Flores? – arriscavam outros.
– Não. A outra – insistia o homem.

Quando lhe pediam para explicar onde ficava essa tal “outra ilha”, Erivaldo apontava para um espaço incerto no horizonte, onde não se via nada para além de mar.

© César Miguel Cota
© César Miguel Cota

– Não a vêem ali, ao fundo?

E, normalmente, acabava por ali a conversa. Ninguém sabia o que mais dizer. Por muito que tentassem explicar a Erivaldo o mapa exacto do arquipélago, o homem mantinha-se firme na ideia da existência da “outra ilha”. Se calhar tinha sonhado com aquilo, ou talvez tivesse acreditado nos boatos frequentes de uma erupção vulcânica que criaria uma décima porção de terra nos arredores. Fosse qual fosse a razão, ninguém conseguia dissuadir Erivaldo. A “outra ilha” existia, e ele ia visitá-la, eventualmente.
Um dia, olhando para o mar, ao nascer do Sol, algumas pessoas da aldeia viram um vulto a saltar para uma pequena lancha e a zarpar pela linha do horizonte fora. À medida que o veículo rasgava a água salgada e se tornava progressivamente mais difícil de se discernir, chegavam todos à mesma conclusão:

– Só pode ser o Erivaldo!

Não mais na aldeia se ouviram novidades sobre Erivaldo. Foi tido como desaparecido e como morto, como maluco e como herói. Não se sabia se tinha chegado a alcançar a tal “outra ilha”, que só ele via, ou se se tinha perdido no mar. Tudo o que se sabia é que ninguém tinha real conhecimento do seu paradeiro.
Alguns meses depois, uns quantos miúdos que brincavam com pedrinhas à beira-mar encontraram uma garrafa de vidro com um bilhete lá dentro. Ajuizados, acharam melhor levá-la para a aldeia, para que ficasse à conta dos mais velhos.
Praticamente toda a gente leu aquele bilhete. Correu lares e mãos, olhos e mentes. Ninguém conseguia acreditar no seu conteúdo. Numa letra tosca, que muitos reconheceram de imediato, estava lá escrito:

«Estou bem. Cheguei.
Erivaldo»