A festa dá trabalho

Artur Freitas
#Crónica

À primeira vista, as palavras festa e trabalho não se complementam nem têm qualquer ligação, porque, como diz o ditado, “trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”, mas na Terceira andam de mãos dadas, porque para se fazer festa é preciso trabalhar para a ter.

A ilha Terceira é conhecida por ser um parque de diversões e os seus habitantes – nós, terceirenses – conhecidos por não querer trabalhar, mas por pensarmos em festa nos 365 dias no ano, o que não é mentira nenhuma. Aliás, somos um povo que vive com alegria e, a qualquer momento, conseguimos fazer uma festa, desde que haja cerveja fresca, vinho e uma linguiça à bombeiro, mesmo que seja no meio do mato (expressão utilizada localmente para o interior da ilha). 

Mas, no que as pessoas não pensam é que fazer uma festa dá muito trabalho, e daí o título. É preciso ir comprar cerveja, buscar gelo, arranjar um frigorifico velho para pôr a cerveja a refrescar, um grelhador grande (que muita vez pedimos sempre ao mesmo amigo), ir buscar lenha, ou achas, comprar as carnes e o pão, levar os pratos de papel e copos para o vinho, sem nunca esquecer dos palitos, porque há sempre um que pede, arranjar uma carrinha para acartar tudo para o mato, e, no meio disso tudo, trabalhar no nosso emprego. Apenas aqui resumi a preparação para um dia passado no mato, com meia dúzia de amigos, para combinar uma festa. Sim, o terceirense faz uma festa para combinar outra festa. Espetáculo!

Começamos o ano com o Dia dos Amigos e o Dia das Amigas, Compadres e Comadres, que servem de aquecimento para o que aí vem, o Carnaval. Nessa altura, veste-se o traje de gala para receber o Carnaval, com os bailinhos a percorrerem a ilha, de salão em salão, sociedade em sociedade. Só para o Carnaval trabalham milhares de terceirenses sem qualquer moeda de troca, a não ser os aplausos e o carinho de quem está no salão para assistir a quem dança, e para a direção da sociedade fazer uma boa mesa de agradecimento aos bailinhos. Para as sociedades abrirem os salões é preciso pessoas para preparar: convidar bailinhos, organizar o bar e o restaurante para vender bifanas e codornizes, para o sustento da sociedade.



Depois vêm os bodos dos Impérios, onde centenas de pessoas trabalham para distribuir pão, vinho e carne gratuitamente pelas freguesias, em honra do Espírito Santo. São apenas 70 impérios que a ilha Terceira tem. Mais uma vez, a palavra de ordem é dar.

E chega o 1 de maio: fogo para o ar! Começam as festas de freguesia. São 30. Volta a ser preciso comissões para organizar a festa (com cerca de 10 pessoas cada), fazendo o peditório e promovendo outros eventos durante o ano para que no fim consiga ter dinheiro para dar a festa e, no mínimo, uma tourada à corda.

Nas touradas, todas as casas abrem a porta para receber o amigo e o amigo do amigo, ou seja, todo aquele que vem por bem é bem-vindo a entrar e beber uma “fresca”. Para abrir a casa com mesa posta com petiscos e cerveja, é preciso cada um dar do seu para receber o amigo, mais uma vez é dar sem nada querer em troca a não ser um “Obrigado e Haja saúde!”

Para não falar das direções das sociedades, filarmónicas, casas de povo, ranchos folclóricos, grupos de jovens, que trabalham em prol da sociedade e do bem-estar das pessoas, nada para proveito próprio, a não ser o orgulho por contribuir para algo na sua freguesia ou cidade.

Arrisco-me a dizer que, em média cada terceirense tira uma semana de férias para trabalhar em prol da festa, sem ter em vista o agradecimento ou o reconhecimento.



Mesmo a pensar em festa, resistimos aos espanhóis e fomos duas vezes capital de Portugal. Erguemos uma ilha destruída pelo sismo de 80 e passados três anos Angra do Heroísmo era a primeira cidade de Portugal a ser classificada como Património da Humanidade pela UNESCO. Mais uma prova de que sabemos trabalhar a sério.

Com a festa, geramos riqueza. Não é por acaso que as festas são a segunda atividade que gera mais economia na ilha. 

Somos um povo que trabalha para viver e não vive para trabalhar. Somos um povo que gosta de trabalhar para dar sem nada querer em troca. 

“O trabalhador trabalha com as mãos, o artesão trabalha com as mãos e com a cabeça, o artista trabalha com as mãos, com a cabeça e com o coração”.

Portanto, ser terceirense é ser artista.



Artur Rodrigues Vieira Toste de Freitas, 35 anos, São Carlos. Profissional de Golfe. Para além de treinador, já pertenci a Comissão das Festas de São Carlos, fui membro da Mesa do Império de São Carlos, presidente da tourada dos estudantes, membro de organizações de carnaval e diretor desportivo. Aficionado e sócio da tasca "4 achas".