Miguel Linhares

#Natureza humana

Ilha de onde é natural ou onde reside
Nascido, criado e sempre com o coração na ilha Terceira.


Profissão
Empresário. Produtor de eventos/ gestor de projetos culturais. Guia do Parque Natural da ilha Terceira.


Faz – ou fez – parte de alguma associação, coletividade, banda filarmónica, etc.? O que o levou a envolver-se?
Faço parte do meio associativo desde 2001. Envolvi-me na altura sem ter noção do que é o associativismo, mas alguns anos depois comecei a perceber as vantagens do trabalho em equipa, num conceito de voluntariado por uma causa e/ou associação. Ainda faço parte dessa primeira associação e, entretanto, juntei-me a mais duas, todas ligadas a uma vertente cultural. 


Qual a sua memória preferida ligada a um evento cultural em que tenha participado/ a que tenha assistido? Porquê?  
Iniciei-me na produção de eventos em 1999, há 21 anos, portanto. Durante alguns anos fiz disso a minha profissão, porque a empresa onde eu trabalhava também fazia produção de eventos, mas durante todo este tempo mantive a atividade numa base associativa e de amor à camisola (muitas vezes com prejuízos violentos para mim). Obviamente que as histórias são muitas, boas e menos boas, mas há uma em particular que ainda hoje continua na retina. Na minha e na de várias centenas de pessoas, acredito.

Em 2008, durante a 2.ª edição do Festival Azure, em pleno mês de julho, abateu-se sobre a ilha Terceira uma fortíssima chuvada de não mais de 15 minutos. Foi tanta a água durante tão pouco tempo que no palco principal – que devia ter uns 20 metros de boca – formou-se uma bolha numa das lonas do teto. Estávamos em testes de som e não nos apercebemos, mas poucos minutos depois a estrutura metálica do palco quebrou, largando aquela grande massa de água, sem que ninguém se tenha magoado, felizmente. Basicamente estávamos com um palco partido e conseguimos uma empresa para o arranjar, mas levaria toda a noite, portanto adiamos os concertos todos daquele palco para a noite seguinte. Depois de todos os artistas concordarem, assim fizemos e iniciamos os espetáculos na noite seguinte, pelas 21:00, sabendo que aquilo ia entrar noite e madrugada dentro… mas acho que ninguém esperava que demorasse tanto! 
Julgo que a moldura humana andava pelas 1500 pessoas, mas que durante a noite foi diminuindo, ficando umas várias centenas de festivaleiros. Eram perto das 7 da manhã, o sol começava a raiar por trás do palco quando o Slimmy iniciou a sua atuação… apareceram festivaleiros de todo o lado – alguns já estavam a dormir, só à espera dos artistas finais. Foi memorável, para nós, para os festivaleiros e até para o Slimmy, que ainda hoje recorda esta história insólita. Depois dele atuou o DJ Frank Maurel, já de manhã e os dois foram para o Porto no voo da hora de almoço, de direta. 
Mais estranho que isto não sei se ainda vou presenciar, mas no meio de tanto azar criou-se um momento único que, infelizmente, não existem fotografias ou vídeos para comprovar… mas que ficou na memória de quem lá esteve! 

Kalashnikov, 2008.
Kalashnikov, 2008.

Sente-se ligado à cultura nos Açores? De que forma?
Com modéstia q.b., mas de pés assentes no chão, ciente do que já fiz e do que estive envolvido, sim, sinto-me. 
Sou músico amador desde 1994 e em 2022 o meu grupo, Manifesto, comemora 25 anos, sendo um dos mais antigos ainda em atividade nos Açores. Foi uma banda que abriu muitas portas na Terceira, principalmente para o meio punk, que veio a ter muita pujança no início do milénio, em Angra do Heroísmo. Marcamos uma geração e isso, seja onde for, é fazer parte da cultura e de um movimento em particular.
Como já referi, desde 1999 que estou envolvido em produção de eventos e sou dirigente associativo, portanto o que já fiz nestes 21 anos fala por si. O Festival Azure – este também pioneiro na região e que em boa verdade teve um “ano zero” em 2006, com a única edição do Festival Abismo – foi um evento de características únicas, principalmente na altura que teve o seu início. Ainda foram 11 edições a fugir às regras e aos conceitos habituais de produção na região. Estive envolvido em muitos eventos, mas diria que o Azure vai ficar ligado para sempre a mim e aos meus outros colegas fundadores…
Sou agente e produtor dos maiores e mais conhecidos comediantes regionais, os Fala Quem Sabe e trabalho com eles desde 2011. Tenho intenção de levar avante uma produção que foi criação deles, em 2022.
Estou na génese no Festival CitySounds que deverá ter a sua primeira edição em Angra do Heroísmo, também em 2022.
Para além disso, fui colaborador do jornal “A União”, fazendo uma página semanal sobre música, maioritariamente local e regional, durante 13 anos, e que também era publicada em blog. Estive na criação de outros eventos mais pequenos, colaborei com outras edições de música, mas também de literatura, a nível regional e nacional, fui júri de concursos a nível local e regional…
Tudo isto – tanto como músico, como produtor – faz de mim uma pessoa da cultura. Sempre desejei o melhor para a minha cidade, para a minha ilha e para a minha região, mais ou menos por esta ordem. Confesso que, agora com 43 anos, sinto-me cansado em algumas vertentes e dediquei-me muito ao meu negócio, na área da restauração, pelo que a música passou definitivamente para um plano secundário. 


Considera a cultura importante para a Região? Porquê?
Sinto que nem devo desenvolver muito esta resposta, pois parece-me bastante óbvio para todos os leitores. A cultura é essencial para qualquer sociedade. 
Continua, efetivamente, a ser menosprezada por governos em todo o mundo, porque não dá votos. Quando existem eleições dá-se entretenimento – normalmente duvidoso – ao povo, mas isso não é cultura, é mesmo só encantamento em forma de entretenimento. Básico.


Como vê o futuro da cultura na sua ilha e na Região? O que o faz ser otimista/pessimista?
Sou quase sempre um otimista, mas andei ligeiramente pessimista nos últimos anos. 
Vou falar do que me sinto à vontade para falar, música: vejo bons músicos, projetos superinteressantes e fora da caixa, alguns a mostrarem-se sem pudor num mercado internacional alternativo e de nicho, mas importante. 
A produção está cada vez mais dinâmica com projetos também estes a terem notoriedade internacional e a trazerem palcos e experiências diferentes a nós, ilhéus. Vejo também alguns jovens a introduzirem novas linguagens e a arriscarem, o que fomenta a criatividade. 
Finalmente, estou curioso para perceber a dinâmica deste novo governo em relação à cultura, pois este ano não serve de exemplo para nada.
No que concerne ao associativismo, ou ando muito distraído, ou os jovens não se interessam mesmo nada por isso…

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