O que eu gosto de ilhas!

Brites Araújo
#Crónica

Ao arrepio de outros ilhéus, queixosos dos achaques da insularidade, tenho um fascínio quase existencial por tudo o que seja pedaço de terra cercado de mar por todos os lados. É verdade que me acontece ser acometida dessa nostalgia, vagamente atávica, de terra adentro, mas quando me ponho a cismar nisto, ocorre-me que dos pedaços de mundo que fui viajando poucos foram os que não incluíram anexos insulares, independentemente do seu tamanho e lonjura.

O que se torna mais curioso, contudo, é a quantidade dos que aconteceram com a mesma casualidade de quem esbarra num conterrâneo em terra alheia. Foi assim no grande terreiro lusófono do outro lado do mar, onde uma visita a Angra dos Reis havia de acabar numa barca rumo à Ilha Grande, coisa de que nunca ouvira falar. No oeste irlandês, dei comigo, gelada até à alma, a largar da mítica Galway Bay para Inishman, a maior das ilhas Aron. O mesmo aconteceu em Dubrovnik, onde uma conversa simpática na Baía de Gruž se transformou num delicioso passeio até à ilha de Lokrum. Em Veneza, com os olhos tão cheios de São Marcos que já pesavam, encaminharam-se-me os passos até junto do hotel Danieli, onde um quiosque improvisado vendia bilhetes para o trio Burano, Murano e Torcello. Irrecusável!... E na Galiza, onde, uma vez emaranhada em Vigo, nunca atino com os caminhos de volta, aconteceu ver-me no cais de embarque para as ilhas Cies, para onde larguei, desacompanhada, deixando atrás uns quantos protestos e um bonito ramalhete de amuados.

De tudo isto, talvez para não escorregar em filosofias mais intrincadas, gosto de pensar que, simplesmente, as ilhas acontecem-me. Mesmo quando não as busco, encontro-as. Ou são elas que me encontram a mim... Uma coisa ou outra. Não me parece relevante.

Também gosto de pensar que às ilhas, e das ilhas, só se chega verdadeiramente, e só se parte, por mar. O avião, despudorado prestidigitador, atrapalha os ritmos, entorpece os sentidos, confunde tudo.
Ainda mal se partiu, já se está a chegar. Aldraba-se na distância, devora- se o tempo, enxovalha-se essa digna solidão de esfinge que é a natureza própria da ilha. E não se chega a conceder ao peito a ânsia de horizonte e o alvoroço do avistamento apaziguados na mais completa emoção, nesse processo lento dos sentidos (e da memória) que é ver a ilha ir-se instalando cá dentro.

Por isso, hoje meti-me num barco e fui para o mar. Fui ver as baleias, mas fui, sobretudo, tentar lavar dos sentidos o avião que me trouxe, refazer a chegada à ilha e, talvez, recuperar a mansidão dos (re)encontros marítimos, (re)ajustar o relógio ao compasso certo das coisas.

Cheguei há pouco.

E agora que estou aqui, sentada no sopé da Montanha, fixa no dorso comprido e pintalgado de São Jorge, o Faial mesmo no canto do olho, sinto que há coisas que não devem ser explicadas. Talvez por demasiado óbvias. Talvez porque não tenham explicação. Como este sentimento de profunda e abençoada pertença, esta paz que vem do princípio do tempo e que tudo harmoniza e apazigua em mim.

Como se o mundo todo estivesse aqui, completo e explicado.

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Nascida na Graciosa, em Março de 1959, fez formação em Línguas e Literaturas Modernas e trabalha como Técnica de Informação e Comunicações Aeronáuticas na NAV- Portugal. Tem colaborado em publicações regionais e nacionais.