Desopilar em família: fins-de-semana de Outono no Triângulo

Vanessa Santos
#Let's go out
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Com o Outono, vem o recolher, o virar para dentro. Embora importe haver esse espaço e esse tempo, é bom saber para onde escapar, quando precisarmos de desopilar o corpo, a mente e o espírito, pois o recolher por cá é longo. E na percepção das crianças, o tempo é a dobrar, por isso convém aos adultos da casa encontrar distracções regulares, para que todos mantenham o ânimo até que o tempo dê a volta às estações! 

Por cá, apreciam-se as manhãs de sábado no Mercado Municipal da Horta. Em ambiente descontraído e familiar, toma-se um pequeno-almoço de panquecas na esplanada, fazem-se umas compras de legumes e hortaliças, tudo entre vários encontros com amigos. A criançada por ali joga e corre, podendo as brincadeiras atravessar a rua até ao Jardim da República, se a chuva não se exagerar. 

Depois do almoço, temos a secção infantil da Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça como opção favorita, por mérito aliado à conveniência. Enquanto as crianças aproveitam para experimentar os jogos de tabuleiro que não têm em casa, ou moldar plasticinas em comida, os adultos podem aproveitar um pouco de silêncio subindo as escadas até ao andar destinado a eles e descobrir as novidades e propostas de leitura expostas. 

Como alternativa, fazemos uma pequena deslocação até ao Jardim Botânico, onde percorremos jardins agradáveis, passamos pontes e labirintos e entramos em espaços que nos dão a sensação que atravessámos para outro sítio, tudo enquanto aprendemos (mais) um pouco sobre a diversidade de flora que co-habita connosco nestas ilhas.

Aos domingos, todas as portas se fecham. Então, e especialmente naqueles em que a chuva e o cinzento se prolongam, como é maravilhoso equipar dos pés à cabeça e dar um passeio, aproveitando um trilho (oficial ou não) da cidade ou arredores. Gostamos particularmente de nos fazermos ao Monte Queimado (em Porto Pim) e às áreas mais florestadas da Quinta de São Lourenço. Também fazemos desvios pelas praias de areia e de calhau rolado, explorando o que de cultural o mar nos traz nas tempestades. Aproveita-se para juntar algum “lixo”, entregar ao eco-ponto e, assim, sentirmos que contribuímos para a nossa comunidade-humanidade.

E depois, por vezes, dá aquela vontade de desopilar por outras bandas, mais longínquas.

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Viver numa ilha do Triângulo é um privilégio, quando essa urgência bate. Para nós, Faialenses, com pouco planeamento (na época baixa, pelo menos, e por enquanto!), conseguimos escapar à rotina de cá e experimentar outras sensações, à distância de uma travessia de mar. A viagem, só por si, já se pode revelar uma grande aventura: a antecipação do rolo do barco por vezes pode demover-nos, outras vezes o risco dos cancelamentos impede-nos de sequer o apanhar na viagem de ida, mas quando tudo se conjuga, lá vamos.

A alegria começa ainda em casa, com o preparar das malas e mochilas: embora tentemos ser regrados e optar só pelos essenciais, para dois ou três dias, a sensação juvenil que predomina é de que vamos para muito longe, por muito tempo. Na manhã da viagem, todos acordam antes do despertador, para que nada falhe e se consiga chegar a horas e sem corridas. Raramente se consegue concretizar essa intenção: a algazarra só acalma quando todos estão já sentados no barco e começa a preparar-se as actividades para ocupar aquele tempo. Na nossa família, e enquanto conseguirmos, os “ecrãs” são último recurso, por isso levam-se livros para colorir, jogos de viagem e auriculares para ouvir música. Vai-se variando o entretenimento, tenta-se fazer observação de vida marinha, ver se há livros ou revistas a bordo, e agarram-se outros passatempos que surgem ou se inventam na hora. Mas o tempo pode custar mesmo a passar e a energia vai-se dissipando. Afinal, a distância é grande para os pequenos e eles certificam-se de que os adultos têm consciência disso.

A chegada ao terminal de destino é sempre um alívio para os adultos e liberdade e novidade para os mais pequenos. É hora de tomar qualquer coisa para confortar o estômago, reestabelecer forças e pensar conjuntamente no plano para o dia. Uma das atividades preferidas, nas ilhas que não nos são casa permanente, é dar a volta à ilha, tentando seguir mais por caminhos e menos por estradas, e sempre aos poucos, integrando várias paragens para desopilar as crianças. Vamos à descoberta dos parques infantis, para as manter entusiasmadas, especialmente aqueles dentro de parques florestais, que nestas ilhas se assemelham a bosques com recantos mágicos. Nas refeições que fazemos fora, tentamos escolher restaurantes que permitam experimentar sabores especialmente diferentes do nosso habitual paladar e em locais que convidem depois a um passeio a pé, para activar a digestão. 

Quando por lá pernoitamos, tendemos a optar pelas adegas ou casas tradicionais, de preferência junto à costa para sentir e ouvir o mar que nos embala e adormece… e nos enche a alma açoriana.

O regresso a casa também é um conforto bem-vindo para todos: parece que se passaram vários dias – ou até semanas – e que atravessámos mundos. A nossa familiar rotina de fim-de-semana no Faial parece-nos outra vez a melhor do mundo, até surgir de novo aquela urgência de desopilar além-mar. 

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Vanessa Santos, Faialense nascida em Lisboa, em 1977, e desde então vivida no Faial e noutros sítios de Portugal e do mundo, estudou Biologia Marinha e apaixonou-se pelo Teatro, que faz por amor. Actualmente gere uma família, um alojamento local e um emprego. Sempre que o tempo lhe permite, entrega-se a uma peça do Teatro de Giz.


*Texto escrito de acordo com a antiga ortografia