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Ser 9 no meio de tanto mar
Qualquer conjugação singular destas 9 ilhas não cabe na sua imensa pluralidade. De paisagens, de sabores, de gentes e vivências. Então, como é ser 9 no meio de tanto mar? Proponho que venham comigo, em jeito de pássaro sobrelevado no Atlântico, e descubram o que em cada ilha me encanta e comove.
Ao invés das rotas quatrocentistas, comecemos de ocidente para oriente, pois esta é uma viagem de sentidos e texturas: não me interessam os mapas nem as bússolas, apenas onde mergulho o olhar.
No Corvo, é pelas canadas da Vila – suave fajã lávica e sede de município remoto – que deambulo e escuto o passado vivaz. Arredada e contida, ilha que já foi considerada ilhéu, qualquer dia perdemo-la de vista pelo tanto que deriva (não vão os americanos equivocar-se!)
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Treze milhas depois, a caminho das lagoas florentinas que moram juntas, não resisto a sentir a frescura das cascatas e o verdor do Sphagnum – em reverência por tanta vida minúscula, tão microscópica de que não nos damos habitualmente conta. Flores é isto mesmo: espanto e tenacidade.
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No centro, dou preferência à Graciosa. E é-o tanto, de forma tão redonda e delicada, mas sem deixar de ser enigmática: seja descendo em espiral para uma gruta espantosamente sulfurosa ou descobrindo barcos guardados no segredo da pedra de Porto Afonso.
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Vértice de triângulo e valente como o santo, São Jorge ergue-se alta e desafia o oceano que lhe lambe as escarpas — a ilha mais longa é pródiga em especiarias, queijo, amêijoas e fajãs. Repito: especiarias, queijo, amêijoas e fajãs. Não me canso.
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De um salto chego ao Pico, que não subo mas contemplo: assombrosa montanha de infinitas cambiantes, um dia as nuvens são colar, noutro chapéu e noutro ainda saia de roda larga. Por baixo dos ramos nodosos dos dragoeiros, penso na pedra e nas neblinas que os alimentam.
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Transposto o canal, deixo que a baía me embale na sua História de barcos e baleias, marés e aviões. Depois, procuro a aridez dos Capelinhos — aqui os vulcões falam línguas de fogo primário, fissuram-se em abismos e esboroam-se em cinzas.
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Na Terceira, imagino nobres damas de leques bailarinos em poses esquivas por detrás dos quadradinhos das rebuscadas varandas debicando em doces de exótica finura. Mas Angra não esgota o meu interesse — não quero perder-me do azul que me norteia nem do verde que me alimenta.
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A lonjura do oriente é agora apenas uma miragem.
São Miguel oferece-se lânguida no horizonte: crateras escancaradas e lagoas murmurantes contendem com arribas verticais e fissuras serpenteantes. Numa voz cálida e ferrosa, os vulcões dizem da pedra e lama que lhes escorreu. Tantos séculos de pedra.
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Sossegada e sábia, mais velha que os seus fósseis, Santa Maria é barro primordial e marco primeiro, fruta sumarenta e dourada que escorre até ao sol que se põe aqui, mesmo aqui. Fazem sombras engraçadas os braços das figueiras-da-Índia.
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Ser 9 no meio de tanto mar é ser muito mais do que os prenunciados verdes intensos e azuis cintilantes.
São brumas ancestrais que nos compelem.
Maria das Mercês Pacheco
Completou licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Ingleses, na Universidade dos Açores. Nessa altura, trabalhou como guia, monitora de inglês e fez parte do grupo de teatro. Mais tarde completou pós-graduação em Turismo Cultural.
Em Lisboa, entre 1987 e 1995, trabalhou como copywriter e relações públicas em multinacionais.
De volta à ilha, e depois de uns anos de marketing na MKM-McCann e como independente, expandiu para áreas como o ensino de inglês, tradução, turismo, relações públicas, causas pro bono. E, sempre, a leitura e a escrita.
É autora do livro “Viajantes nos Açores. O Olhar Estrangeiro sobre as Ilhas desde o século XVI”.