Entrevista D. Zita Lima – Reflexões entre a cozinha e a vida

Margarida Sodré
#House Special

É incontornável falar de gastronomia nos Açores sem mencionar o nome da D. Zita Lima. A minha geração e os que já cá estão há mais tempo que eu têm, certamente, memória do programa da RTP Açores “Cozinha das nossas ilhas”, onde as suas mãos experientes nos guiavam pelas receitas arquipelágicas.

Numa conversa que foi muito além da cozinha, passando pelos trabalhos manuais e pela escrita, revisitei paladares conhecidos e descobri mais sobre este ícone sobre o qual já tinha ouvido falar muito, mas que nunca tinha tido o gosto de conhecer.

Comunicadora por excelência, nasceu e cresceu em Alfama, um dos mais emblemáticos bairros de Lisboa. Desde pequena revelou apetência para as letras, destacando-se na leitura e na declamação, desde a instrução primária. O amor trouxe-a à Terceira, mas a sua dimensão transcende a ilha, por força do caráter, das convicções e do percurso pessoal e profissional. 

A entrada no mundo da culinária surge na sequência de um programa no Rádio Clube de Angra, o Programa da Mulher, que terminava com uma receita. Seguiu-se-lhe a televisão, um livro e o resto é história.

None

Passar a papel algumas das receitas que recolheu nas várias ilhas era um pedido que lhe endereçavam recorrentemente, lembra por entre um sorriso e o olhar posto na edição do seu livro “Cozinha Açoriana” em inglês, mas que não se revelou empresa fácil. Apesar das especificidades de cada uma das nove ilhas, muitos são os pratos que têm em comum. Depois de um vislumbre mais atento, assinala cuidadosamente as diferenças que os distinguem uns dos outros, seja nos temperos, na forma como se confeciona o ingrediente principal, como por exemplo: o Caldo de Peixe, as Sopas do Espírito Santo, os Chicharros, a Açorda e o Polvo.

D. Zita garante que os Açores têm uma cozinha muito rica, em paladar e em condimentos, e que não é possível dizer de forma categórica que determinada receita é de uma ou de outra ilha, uma vez que as variantes são imensas, mesmo entre freguesias.

None

Sempre gostou de cozinhar e ainda gosta. Aprecia também a vertente pedagógica e de transmitir aos outros os seus conhecimentos, tendo estado associada a escolas como a Vitorino Nemésio ou a Santa Casa. Em tempos, organizou cursos particulares para pessoas que queriam aprender ou desenvolver dotes culinários, e ainda põe em hipótese fazer mais edições, caso haja número de interessados suficiente.

Este diálogo passou rapidamente dos tachos e das panelas para as artes. Na sala onde decorreu esta entrevista, observo um conjunto de artefactos feitos pela mão da D. Zita, que replica não saber estar quieta. Para minha surpresa, descubro ainda que escreve poesia e que encontra nesta ferramenta um hábito terapêutico, inspirada pela vida e pelos seus vários momentos, bons e maus.

None

Não seria possível falar desta senhora sem referir o trabalho que desenvolveu no Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro, outro marco num percurso de vida preenchido e diverso, que nos inspira a fazer mais e melhor.

No seu tom de voz não mora a idade, na sua força motriz a passagem do tempo é um detalhe. Termino reconfortada com a lembrança da existência de pessoas incríveis, que há muito caminho a percorrer, que podemos, cada qual da sua maneira e na medida das nossas possibilidades, fazer alguma coisa pelo nosso bairro, e que o conhecimento de nada serve se não for passado aos demais, como me recorda sempre o meu querido amigo Aranda.

Obrigada, D. Zita, foi um prazer!

None