
Ilha de claridades
A Graciosa (Ilha) é o nome que vem dos começos.
Bastou-lhe a graça de ser “ilha de ossos certinhos e bem modelados” para dispensar recurso ao orago que baptizou oito ilhas açorianas. Se Santa Maria, S. Miguel e São Jorge mantêm nome de santos, outras os tiveram: Terceira - Ilha de Jesus Cristo, Pico - S. Dinis, Faial – S. Luís, Flores – S. Tomás. Santa Iria, coube ao Corvo.
Ilha de claridades a minha.
A norte dela é tudo líquido. Águas salgadas e sempre mar. A sul, varanda donde se avistam quatro ilhas em simultâneo. Um privilégio (quase) só dela, já que do alto do Pico também se vêem, para quem pode e tanto se cansa.
Pouca terra e sóbria de alturas, prodigiosa foi a natureza em franquear costas e horizontes abertos ao atlântico.
Tem abundante rede viária, mas não se esgota nela. Nem em percursos pedestres.
Recomenda-se tempo para saborear as vivências, escutar o mar e olhar o firmamento.
Iniciemos rota pela baía da Barra na Vila de Santa Cruz, onde inconclusa, uma marina perspectiva acolhimento a aventurosos viajantes. Ao lado, vigilante, o hotel “Graciosa Resort” aguarda hóspedes e eventos.
Notável memória dum tempo de acessibilidades marítimas, a Barra e o seu porto, foram porta de entrada fundamental. Padre António Vieira o “imperador da língua portuguesa”, ali desembarcou em 1654, tendo permanecido na ilha dois meses.
A baía de águas serenas ofereceu deleite a banhistas e desportos náuticos. Deu sustento a pescadores e caçadores de cachalotes.
Ancoradas as lanchas, para lá acorriam aos botes, homens de peito franco, à conquista do gigante dos mares. Uma dessas Lanchas, a “Estefânia Correia” apta na actualidade para movimentos lúdicos, honra a memória duma arriscada fonte de sustento. É propriedade do Clube Naval, concessionário dum snack bar que, ironicamente, oferece apetecíveis pratos de carne…
A baleação na ilha desenvolveu-se durante o século XX, estando em declínio aquando da proibição.
Subindo o Monte da Ajuda, sobranceiro à Vila, a vista alcança dimensão.
Um pequeno edifício, ao largo da mais velha ermida homónima do Monte, referencia a guarida dos “Vigias” baleeiros.
A poucos metros da Barra está o coração da Vila, anunciado através das centenárias araucárias plantadas no rossio, a “Praça”, aprazível sala de visitas de forasteiros e residentes, que em passeio, ou sentados nos bancos e esplanadas, jogam fora conversas de ocasião. Dialogando com a Praça, um parque infantil oferece liberdade às crianças e descanso aos progenitores.
Carismáticos, dois lagos murados, os “Pauis”, espelham orgulhosamente o imponente casario circundante símbolo da grandeza da sede do Concelho.
Caminhe-se pela rua que bordeja o mar.
Há banquetas conversadeiras de basalto num muro serpenteado e bem desenhado. No percurso, o barracão dos botes baleeiros do Museu da Graciosa guarda um exemplar, alfaiais e utensílios da função. No fim da rua, em frente ao porto e zona balnear da Calheta, o hostel “Boa Nova”, copia o nome da ermida próxima, depositária de S. Pedro Gonçalves, o santo que protege os navegantes.
O Barro Vermelho, no seguimento do roteiro à beira mar, é uma óptima opção de relaxe, para um mergulho em águas puras ou um piquenique no parque de merendas.
A fechar, ao largo do Pico Negro, essencial é, olhar o ilhéu da Baleia, integrado no Geoparque Mundial da Unesco.
Estrutura rochosa icónica da Graciosa, o ilhéu, qual cetáceo majestoso navega silente à bonomia do mar, ou indiferente, resiste à fúria da alterosa ondulação do norte.
Maria das Mercês C. A. Coelho vive em Santa Cruz da Graciosa, na casa onde nasceu.
Ilha berço, a Graciosa. Uma espécie de barco, que a levou cedo a beber águas para formação académica, na Horta e em Lisboa, onde se licenciou em Direito.
De regresso às origens, exerceu funções profissionais nos Registos e Notariado.
*Texto escrito de acordo com a antiga ortografia