Ponta Delgada 2027

Onésimo Teotónio de Almeida
#Chronicle

Ponta Delgada foi berço de Antero de Quental, uma das maiores figuras de sempre na cultura portuguesa. Aqui nasceu também outro grande intelectual português, Teófilo Braga, presidente do Governo Provisório da República. Daqui sairam igualmente o escultor Canto da Maia e o pintor Domingos Rebelo, os atores Carlos Wallenstein e Mário Barradas, o viajante-explorador Roberto Ivens e o escritor Fernando Aires. Aqui viveu o poeta Armando Côrtes-Rodrigues, companheiro de Pessoa, e outras figuras tão diversas e ricas como o romancista picoense Dias de Melo, o polemista Sena Freitas, a poeta Alice Moderno e o cientista Afonso Chaves. 

No concelho de Ponta Delgada nasceram outras grandes personalidades, como Natália Correia, o autonomista Aristides Moreira da Mota, o poeta Eduíno de Jesus e o antropólogo Arruda Furtado; nasceu a mãe do grande escritor brasileiro Machado de Assis e também a mãe de outro expoente da cultura brasileira, a poeta Cecília Meireles.  

Esta lista de nomes capta apenas o topo de uma plêiade.  

Aqui está centrada a Universidade dos Açores, que teve como seu primeiro Reitor José Enes, um dos mais notáveis filósofos portugueses de sempre. Outras instituições culturais estão aqui sediadas, como o Museu Carlos Machado, a Biblioteca Pública, institutos culturais, livrarias e editoras, três jornais diários, um dos quais, o Açoriano Oriental, que é o segundo diário mais antigo da Europa, galerias de arte, coros e uma academia de música expoentes de uma rica tradição musical que se tem desenvolvido nas suas mais variadas expressões. Tudo isto constituindo um todo notável no contexto português. 

Até mesmo do ponto de vista físico, Ponta Delgada é um portento cultural, senhora de uma arquitetura vistosa, mas também de um conjunto de teatros, auditórios e salas de concertos com um historial de espetáculos artísticos vasto e pujante. 

De resto, Ponta Delgada não avança isolada neste processo.  

© Nova Gráfica
© Nova Gráfica

Esta candidatura é feita em parceria com as outras cidades e vilas sedes de concelhos açorianos, cada uma delas com uma história cultural que contribuiu para o desenvolvimento desta forte personalidade insular. Basta lembrar por exemplo os escritores Gaspar Frutuoso, Roberto de Mesquita, Nunes da Rosa, Florêncio Terra, Vitorino Nemésio, Pedro da Silveira, Alfred Lewis, Emanuel Félix, José Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar, João de Melo, Daniel de Sá; figuras políticas como Manuel de Arriaga, o primeiro presidente da República e várias figuras-chave na vida política portuguesa pós-25 de Abril, os músicos Francisco de Lacerda e Tomás Borba, o pintor António Dacosta, o historiador António Cordeiro, o cientista José Agostinho e o etnólogo Luís Ribeiro.  

Também aqui, o conjunto destes nomes é apenas uma amostra do topo de uma pirâmide regurgitando de escritores, intelectuais, e artistas originários do arquipélago açoriano. 

Estas ilhas são, dentro do espaço português, o território com  a mais enraizada identidade cultural, forjada por quase seis séculos de história  no meio do Atlântico. Elas têm tradicionalmente desempenhado um papel de entreposto nos cruzamentos intercontinentais entre a Europa e as Américas do Norte e do Sul. A história de Portugal passou várias vezes por aqui desde os tempos da expansão marítima, nos séculos XV e XVI, como mais tarde passou também a história da baleação americana e, no século XX, a história da aviação intercontinental.  

O arquipélago foi-se afirmando, tocado por uma diversidade de acontecimentos mundiais que moldaram nele uma cultura única dentro do espaço português. As centenas de jornais e revistas aqui surgidos e a infindável bibliografia produzida nestas ilhas refletem toda a sua experiência histórica e testemunham o alto quilate do contributo açoriano para o conjunto nacional.  

Ponta Delgada, em parceria com todos os municípios dos Açores, pretende mobilizar este capital cultural único e exemplar e servir de polo magnético de um programa que abrangerá o arquipélago inteiro, tornando os Açores um destino aliciante, fascinante mesmo, para os europeus e não só.  

A Europa, que nos últimos tempos tem vindo a aperceber-se da existência deste grupo notável de ilhas, terá a oportunidade de tomar melhor consciência de um vasto património que lhe passava ao largo, mas que ela descobrirá com prazer e entusiasmo, quando comprender que é a própria Europa que se prolonga Atlântico fora a caminho do Oeste, para além das suas fronteiras continentais. Lugar por excelência de partidas e chegadas, os Açores têm sido um espaço de cruzamentos de pontes. Os açorianos têm sabido integrar-se noutras regiões do globo fomentando sempre intercâmbios e estabelecendo um diálogo cultural de modo aberto e tolerante.  

A Europa descobrirá esta nossa vivência dos valores europeus num espaço físico de uma beleza ímpar, numa geografia que conseguiu preservar o melhor que a natureza pode oferecer aliando-a a uma história plena de vigor e criatividade. 

O capital cultural europeu nunca nos faltou nestes quase seis séculos de existência. Falta apenas transformá-lo agora na Capital Europeia da Cultura.  


Onésimo Teotónio de Almeida
Presidente da Comissão de Honra da Candidatura de Ponta Delgada | Açores a Capital Europeia da Cultura 2027