Renata Lima

#Human nature

Ilha de onde é natural ou onde reside
Faial

Profissão
Técnica Administrativa

Faz – ou fez – parte de alguma associação, coletividade, banda filarmónica, etc? O que a levou a envolver-se?

Fiz e faço parte de várias associações e organizações ligadas à comunidade e à cultura. Uma das primeiras terá sido o grupo da Horta da Amnistia Internacional. Estive também na direcção da AFAMA – Associação Faialense dos Amigos dos Animais; mais tarde na direção do antigo Cineclube da Horta; mais tarde ainda na do Teatro de Giz, associação cultural da qual ainda faço parte e que faz parte de mim. Não me lembro de ter havido uma causa concreta para esse envolvimento; acho que foram as circunstâncias da vida que me foram abrindo essas portas e eu fui entrando. Mas agora que a pergunta me é colocada e que tenho de pensar no que possa estar por dentro desse envolvimento (obrigada pela deixa, porque é uma reflexão pessoal importante, saber o que é que nos move realmente nestas coisas, porque é que estamos nelas e como é que estamos nelas), consigo identificar com clareza uma ideia de liberdade, que depois está ligada a uma possibilidade de criação, de partilha, de intervenção e de transformação.

Qual a sua memória preferida ligada a um evento cultural em que tenha participado/a que tenha assistido? Porquê?

Escolho uma em que estive mais ou menos nos dois lados, de participante e de espectadora: a festa dos 20 anos do Teatro de Giz, em 2018, no Teatro Faialense. Eu já estava na associação e participei na organização das celebrações dos 20 anos, mas naquela festa em si, que incluía uma revisitação performativa do arquivo do Teatro de Giz, não estive tão envolvida, porque não fazia parte das minhas tarefas. Então, vivi aquele momento sentindo a responsabilidade da organização, mas também com o privilégio de ser espectadora. Foi uma celebração tão bonita e tão coerente! O teatro encheu-se de gente, faialenses de nascimento e de coração que ali foram testemunhar e partilhar o seu apreço pelo Teatro de Giz, pelo trabalho de uma associação cultural da sua comunidade. Essa comunhão, que ao mesmo tempo confirmava ali a razão de ser dessa associação cultural, foi tão emocionante e tocou-me tanto que eu passei a noite a tentar segurar o coração – literalmente!

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Sente-se ligada à cultura nos Açores? De que forma?

O que é a cultura nos Açores? O Espírito Santo? Os vulcões e os terramotos? A Natália Correia? O Vitorino Nemésio? O Antero de Quental? O Roberto de Mesquita? O Onésimo? O Álamo? O Dias de Melo? A Judite Jorge? O Zeca Medeiros? Os Xailes Negros? A lira? A chamarrita? O Luís Gil ou o Luís Alberto Bettencourt? O Aníbal Raposo? O Pedro Lucas ou o Carlos Medeiros? Os Bandarra? O Teatro de Giz? Os Cães do Mar? O Alpendre? A Jangada? As filarmónicas? Os grupos folclóricos? Os bailinhos da Terceira? Os bailes do Coliseu? O Tremor? O MUMA? Os Bensaúde? Os Dabney? O Ti Pedro Cepo? A caça à baleia? O whale watching? A Universidade? A América? O Brasil? A ilha em frente? A Autonomia? Os cais? A açorianidade e/ou a universalidade? Eu penso que é tudo isto, que é ao mesmo tempo muito diverso e parecido, que está desligado mas ao mesmo tempo está tudo ligado, e o mais que não cabe numa lista, talhado pelo mar e pelo telúrico. E nesse sentido, sim, como açoriana, da ilha do Faial, muito agarrada à pedra como a lapa, sinto-me ligada à cultura dos Açores, por nascimento, por movimento e por dentro. 

Considera a cultura importante para a Região? Porquê?

A cultura não é importante para a Região; a cultura é fundamental, para a Região, para o País, para o mundo! A cultura é que nos une! A cultura liga-nos, a nós mesmos, uns aos outros, ao mundo e ao transcendente. Quando se diz que os Açores dão ao País uma dimensão atlântica, não consigo deixar de pensar que essa dimensão atlântica não é a situação geográfica do arquipélago ou a extensão da sua ZEE, mas antes a sua dimensão humana e cultural, que por sua vez tem na vastidão atlântica - esse mar imenso e profundo – um território de pensamento, de criação e de sonho que nos levou e leva a todo o lado, real e imaginariamente, e no qual somos (podemos ser) um ponto de convergência de culturas de todo o lado. Além disso, e talvez mais importante, a cultura é um factor de coesão de cada uma das comunidades das nove ilhas e das ilhas entre si. Só a cultura poderá libertar-nos de bairrismos estéreis e alçar-nos ao futuro.

Como vê o futuro da cultura na sua ilha e na Região? O que a faz ser otimista/pessimista?

Vejo com optimismos diferentes. Acho que o Faial precisa de dar um salto cultural. Fico preocupada quando ouço, como ouvi há dias, no debate da Assembleia Municipal da Horta, o presidente da Câmara dizer, em jeito de aparte, durante uma discussão sobre a participação da Horta na Candidatura de Ponta Delgada / Açores 2027 Capital Europeia da Cultura, “dava para umas quantas estradas”, referindo-se ao investimento envolvido nesta iniciativa. Isto revela uma visão triste e torpe do papel da cultura no desenvolvimento das sociedades. De resto, é uma visão bem patente na degradação actual dos equipamentos culturais municipais, nomeadamente o Teatro Faialense e o Banco de Artistas (este último nem ao seu título tem direito), que precisam urgentemente de manutenção e de uma nova dinâmica de programação. Mas o mais preocupante no Faial é o facto de a população fixa ser diminuta e a massa crítica escassa – o que, aliás, está na base de tudo o resto. Por mais que andemos às voltas, o público (o que faz e o que é receptor) da cultura no Faial é pouco e muito circunscrito socialmente. É importante pensar nisto, para encontrarmos maneiras de criar um ambiente cultural na ilha mais ambicioso e capaz de envolver muito mais pessoas da comunidade num movimento novo. Em todo o caso, há coisas a acontecer e há um conjunto de instituições, pessoas e organizações que alimentam a cultura nesta ilha e que não nos deixam cair na tentação do pessimismo! Quanto ao resto da Região, penso que também há muito trabalho a fazer para que haja, desde logo, um reforço do investimento público na cultura. É incompreensível que os agentes culturais não tenham um sistema de financiamento que lhes garanta sustentabilidade para programarem a sua actividade a curta-médio prazo, como acontece com as associações desportivas. Não estou a condenar a política dos contratos-programa do Governo Regional com o desporto; estou a reivindicar uma oportunidade semelhante para a cultura! Por outro lado, é muito importante pensar e desenvolver políticas culturais que promovam uma maior equidade na distribuição dos apoios públicos aos projectos e às estruturas culturais. Penso, também, que é preciso dar espaço à liberdade criativa e produtiva dessas mesmas estruturas, para que possam desenvolver uma actividade cultural mais próxima das pessoas, em cada comunidade; para que pequenos projectos de trabalho cultural, mais ágeis materialmente (talvez menos “vistosos” a uma escala maior), possam acontecer e multiplicar os seus efeitos na comunidade - um grande efeito dominó! Além disso, é preciso promover o diálogo cultural entre as ilhas, para que os agentes culturais se conheçam, possam ter uma voz conjunta na defesa política dos seus interesses comuns, possam pensar e trabalhar uns com os outros e lançar-se à criação de um arquipélago fecundo, assente na riqueza da sua diversidade cultural. Vejo na candidatura Ponta Delgada/Açores 2027 CEC uma oportunidade para que esse diálogo aconteça. E vejo muita gente nova, com as cabeças fora das caixas conservadoras, a desenvolver projectos culturais muito interessantes em algumas ilhas da Região, que já estão a dar um grande salto qualitativo, e isso alimenta o meu optimismo!

*Respostas escritas de acordo com a antiga ortografia