Ritual de Passagem

Andreia Melo
#Chronicle

Se me perguntarem o que é uma Fajã, não te conto de trilhos nem de paisagens, não te conto de ar puro nem de mar. Conto-te do ritual de passagem da mocidade desta ilha. 

A Fajã para o jorgense chega a ser como a vista da tua casa, por mais bela e estonteante que seja... torna-se repetitiva, está nas entranhas das vistas, e se não te afastas, perde o interesse de só olhar para ela, principalmente se és jovem e ainda não te interessam os sentimentos melancólicos dos velhos. 

© Andreia Melo
© Andreia Melo

A Fajã é, para a maioria dos catraios, o lugar da passagem. É o primeiro amor e quiçá o primeiro beijo, é a primeira experiência longe de casa e dos adultos, é a primeira viagem de amigos, o primeiro jogo de cartas. É a primeira fogueira, a primeira conversa introspectiva, a primeira bebedeira, o primeiro segredo. É a primeira experiência natural, a primeira construção, o primeiro cozinhado e a primeira partida. É a primeira decisão, o primeiro consenso, a primeira dúvida. É a primeira picada de silvado, o primeiro céu estrelado, o primeiro banho de mar à noite. É a primeira música dos Pearl Jam, é o primeiro livro que se escolhe, o primeiro baile de roda e a primeira promessa e oração. É a primeira lenda em que acreditas, a primeira escuridão, o primeiro isolamento tecnológico, o primeiro fumo. É o primeiro acorde, o primeiro ataque de ansiedade, a primeira derrocada. É a primeira tempestade, a primeira pesca e também a primeira troca de bens. É a primeira caça aos gambuzinos, o primeiro furo na orelha, o primeiro disco pedido. É a primeira água de chafariz, a primeira dormida ao relento, é a primeira amizade verdadeira. 

É a primeira desilusão e a primeira festa. 

A fajã fez em nós um pacto silencioso uns com outros, quando estamos nela, olhamo-nos em silêncio e lembramos estas coisas que ninguém consegue explicar, mas sabemos que dentro da gente duram para sempre.