Uma capital europeia da cultura para unir mais os Açores

Jorge Alberto da Costa Pereira
#Chronicle

Quanto mais estudo a História dos Açores, mais aprecio a Autonomia política e administrativa que o 25 de abril nos trouxe.

Quem estuda o que eram estas ilhas antes de 1976 depressa percebe as dificuldades da governação local nestes Açores entregues à sua sorte ou à forma mais ou menos hábil como cada Governador Civil conseguia de Lisboa o financiamento para as suas pretensões.

E se recuarmos no tempo, ainda maiores eram as dificuldades e a incompreensão daqueles que, vivendo na capital que tudo decidia, desconheciam a realidade destas ilhas e as necessidades das suas populações. Tudo era muito difícil, arrancado a ferros e por regra só era concretizado após anos a fio de exposições, relatórios, cartas e memorandos. (A este propósito, recomendo vivamente a leitura de uma obra editada em 2019 pelo Núcleo Cultural da Horta – A Administração Pública do Distrito da Horta. Consultas da Junta Geral e Relatórios do Governo Civil, com Introdução e Notas de Maria Isabel João).

Se mais nada de decisivo a Autonomia dos Açores não tivesse trazido, pelo menos, garantiu-nos uma relação de proximidade com o governo regional e com os seus governantes, que conhecem a realidade de cada ilha e estão mais bem apetrechados para decidir com conhecimento de causa e com a celeridade que se impõe em cada caso. Essa proximidade, esse conhecimento, essa compreensão, é um elo de confiança inestimável e essencial na nossa Autonomia que importa preservar e aprofundar!

E se a isso juntarmos a dignidade que nos trouxe o regime autonómico, dando-nos a capacidade de legislar sobre aquilo que nos é específico, de nos governarmos, decidindo onde e como investir e escolher os caminhos do desenvolvimento que queremos percorrer, então não há hesitação possível: a Autonomia é um bem inquestionável!

Apesar disso, os sinais agregadores à volta da nossa Autonomia já foram mais fortes. Crescem, em muitas ilhas, os sinais de desilusão e de descontentamento. O deserto demográfico que não temos sabido combater, a tentação hegemónica em determinadas áreas, a perda do espírito inicial de se construir nestas ilhas uma unidade político-administrativa à volta da solidariedade partilhada no crescimento e nas dificuldades, a ausência de uma estratégia para o crescimento harmonioso e integral de todas as ilhas, respeitando os seus ritmos próprios, cada vez mais substituída por opções de natureza tecnocrática que, aplicadas, sem mais, aos Açores, são a negação da nossa essência, tudo isso tem afastado muitos açorianos de uma comunhão mais intensa com a nossa Autonomia. E isso, objetivamente, não é bom!  Quando não formos capazes de conciliar a realidade “ilha” com a realidade “região”, o crescimento rápido de uns com o direito ao crescimento dos outros, as realidades demográficas e estatísticas com a dimensão humana e social do desenvolvimento, nesse dia, a nossa Autonomia perderá a sua alma, perderá as pessoas e deixará de ser algo que une todos os Açorianos.

Quando Ponta Delgada assumiu o desígnio de uma candidatura a capital europeia da cultura teve o mérito e a visão de o fazer “em articulação com outros municípios e ilhas (…) num projeto inclusivo e colaborativo”, cujo espírito, Nuno Costa Santos exemplarmente descreve quando explica “O porquê dos 9 Bairros”.  

Não tenho dúvida que este é o caminho e se for bem apreendido por todos e nele todos lealmente se implicarem, será com certeza um importante contributo para cimentar a construção da unidade regional, pedra angular da nossa Autonomia. 

None


Licenciado em História e Ciências Sociais pela Universidade dos Açores. Professor da Escola Secundária Manuel de Arriaga. Vice-Presidente do Núcleo Cultural da Horta, integrando a Comissão Editorial do boletim desta instituição. Membro da Comissão Organizadora dos Colóquios “O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX”. Autor de vários artigos científicos publicados em revistas, do livro Peter-Café Sport e do opúsculo Um retrato da Horta em 1913. É diretor do jornal semanário “Tribuna das Ilhas”.